11 setembro 2005

Direto do 5Pontas ...

DOIS SÉCULOS, DOIS PAÍSES, DUAS TRAGÉDIAS

Nem sempre as histórias começam assim, nem podem acabar assim, nem se interpretam assim. Estas duas histórias estão unidas por um fio condutor que leva a um mesmo país, por um lado, e também a maioria dos países, por outro. Mas todas as histórias verdadeiras e dramáticas como estas têm um passado, um presente e um futuro.
Estou a falar dos Estados Unidos, erradamente e não por acaso, conhecido como América e também do Chile: do Chile da Unidade Popular, de Salvador Allende, das expropriações das grandes multinacionais do cobre, da ITT, do Chile onde um operário que desfilava numa manifestação de apoio ao Governo sintetizava sozinho com o seu cartaz o sentimento da maioria do povo chileno: «Este gobierno es una mierda, pero es mi Gobierno», do Chile do canto, da música, dos amores e desamores, da amizade profunda e da inimizade também, da fraternidade humana mais pura e do ódio mais requintado, das discussões políticas e da cultura nos excelentes livros baratos que publicava o Governo chileno e na alfabetização do povo. Dos erros e dos acertos do Governo, dos trabalhadores, dos partidos de esquerda. Do vinho que aquecia a alma e corpo. Da luta. Da vida intensa que não necessitava de psiquiatras e sim de dias de 48 horas para poder vivê‑Ia.
Mas, nesse Chile que o seu povo queria construir, pairava o ódio concentrado dos seus inimi­gos. «Não podemos aceitar que por irresponsabilidade do povo chileno, (dos “rotos”, como são chamados depreciativamente pe­los grandes senhores os pobres do Chile), tenhamos um Presi­dente marxista que faça desse país uma nova Cuba», Henry Kis­singer, secretário de Estado do Governo de Nixon, dixit.
Os Estados Unidos eram o principal inimigo de Chile: do povo chileno, dos seus trabalha­dores, intelectuais, camponeses, indígenas Mapuches, estudantes, das suas crianças pobres encon­trando naquele 11 de Setembro do ano 1973, século XX, o mensagei­ro da morte em Augusto Pinochet e cúmplices, os militares, os ricos chilenos e na imprensa «impar­cial e isenta» e o Governo de Esta­dos Unidos o seu principal res­ponsável, em nome das suas em­presas, em nome da Democracia, em nome da paz, da justiça, do anticomunismo, em nome da li­berdade de mercado e os seus arautos como o economista esta­do‑unidense Milton Friedman, assassinaram milhares de pes­soas, torturaram de acordo com as regras dadas a conhecer na «Escola das Américas» sediada em Panamá (agora dissolvida) «por professores da CIA», tortura­ram para obter confissões, e ago­ra preparam‑se para legitimar a tortura, e também para semear o terror, torturaram ainda, crianças de três anos para que os pais falas­sem e tudo o que fizeram os mili­tares chilenos foi aprendido na tal Escola das Américas dirigidas pe­los Estados Unidos.
Mataram a poesia da vida.

Para quê? Porquê? Para que os capitalistas, os imperia­listas ianquis e os seus alia­dos nativos não deixassem de ter lucros, mais lucros. E du­rante 13 ou 14 anos, o Chile viveu no terror, no analfabetismo, na miséria, com crianças com fome, sem leite e sem pão. E o mesmo fizeram, noutros dias que não o 11, ou mesmo no Uruguai meu país, na Argentina, no Brasil, em toda a América. Foi o começo da política capitalista chamada «neo­liberal». Para implantá‑la tinham que matar toda a resistência, ma­tar física e espiritualmente. Ten­taram e fizeram o melhor possível, mas não conseguiram os seus objectivos mas essa história de crimes vinha de longe.
Mas antes há que referir o que faz ou pode fazer uma empresa dos Estados Unidos.
O Presidente da Union Carbi­de – Warren, cidadão dos Estados Unidos – Empresa de Pesticidas dos EUA, sediada na Índia, foi acusado – com mandato de captu­ra – de negligência criminal por­que no ano de 1984, a 2 de De­zembro, a sua empresa, para não ter gastos «prescindíveis», elimi­nou os sistemas de segurança e, nesse dia, uma explosão na fábri­ca matou entre 16 mil e 30 mil pessoas. «Danos colaterais» na Índia, então, que importa? Não foi em Nova Iorque e, portanto, o Sr. Anderssen deve hoje conti­nuar a matar por não querer gas­tar na segurança dos trabalhado­res das suas fábricas.
Mas a própria história dos EUA começou por ser criminosa moral ou materialmente.
Conhece‑se, por acaso, o nome de Thomas Payne, ligado profun­damente à história desse país no seu começo, como o grande ideó­logo dos pobres, dos pequenos agricultores, dos negros escravos contra os critérios de G. Washington, inglês que lutou como soldado pela independência dos Estados Unidos e tem o livro mais importante dessa época, Common Sense dirigido aos soldados independentistas? É difícil conhecê-lo. Porque foi banido da história do Norte do país. Porquê? Porque lutava pelos brancos pobres, negros, indígenas.

[Este texto, da autoria do jornalista uruguaio André Martín, conheceu a estampa no dia 27 de Dezembro de 2001, no jornal Diário de Notícias, cerca de três meses e meio depois do atentado perpetrado contra as torres gémeas (Twin Towers), da cidade de Nova Iorque.
Porque o ruído provocado pelos gritos histéricos das carpideiras oficiais da Nação nos incomoda sobremaneira, porque partilhamos o pensamento do autor, porque subscrevemos a sua análise, porque também não esquecemos Salvador Allende, morto em 11 de Setembro de 1973, decidimos publicá-lo na íntegra (não obstante alguns erros gramaticais), hoje e amanhã. É este o nosso contributo para a compreensão do atentado e do que o poderá ter motivado.
Quem desejar mais informação, quem quiser reflectir mais profundamente sobre este tema, deverá ler este texto de Joaquín Oramas, publicado no jornal Granma, de Cuba.]

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