24 dezembro 2005

Natal

Um anjo imaginado,
Um anjo diabético, actual,
Ergueu a mão e disse:
— É noite de Natal,
Paz à imaginação!
E todo o ritual
Que antecede o milagre habitual
Perdeu a exaltação.

Em vez de excelsos hinos de confiança
No mistério divino,
E de mirra, e de incenso e ouro
Derramados
No presépio vazio,
Duas perguntas brancas, regeladas
Como a neve que cai,
E breve como o vento
Que entra por uma fresta, quizilento,
Redemoinha e sai:

A volta da lareira
Quantas almas se aquecem
Fraternalmente?

Quantas desejam que o Menino venha
Ouvir humanamente
O lancinante crepitar da lenha?

Miguel Torga

Nenhum comentário: