14 dezembro 2006

foto: pedro moreira

Barquinho à vela feito de nozes

Por tantas vezes perdemos a noção do tempo a conversar.. a nos contar histórias. Muitas verdadeiras.. outras muitas desejos e sonhos. Por vezes não dizíamos nada e o silencio entre nós era som, palavras, sentido. Tinha quase sempre um ar sério, compenetrado mas quando sorria tinha os olhos mais bonitos que um dia ja vi. Eram como estrelas. Ele sabia me fazer navegar em um simples barquinho à vela feito de nozes. Nesse barquinho fui capaz de cruzar mares, vencer batalhas ou simplesmente admirar o ceu azul acariciando o mar no horizonte. Subimos motanhas, fizemos caminhos sagrados, profanos. Fizemos vôos altos, razantes até chegamos a desejar o impossível como se se tratasse da coisa mais simples de viver. Eram, são assim, os nossos momentos. Dia após dia construimos, na rocha, a nossa amizade.
Esta tarde, de vento e frio, fui ver o mar. Ele devia estar agitado. O mar agitado às vezes me fortalece. Vejo o mar lutando e dizendo-me: então.. vês? é assim que tem que ser! Gostava de saber, sentir e ver essa força em ação. Me sentia como ele. Forte.
O sol estava quase a se pôr e eu resolvi voltar. Andei sem pressa com os pés descalços na areia. Ao longe avistei alguém, não era comum haver alguém a esta hora naquele trecho que escolhi. Mas havia alguém se aproximando de mim. Continuei. Já agora perto estava ele, o meu marinheiro do barquinho à vela feito de nozes. Abraçamo-nos longamente, demos as mãos e continuamos o passeio juntos. Calados. Cheios de palavras, sons e sentidos, como tantas outras vezes. Minutos mais tarde parou, olhou-me e disse que quase se havia afogado naquele mar violento. Havia se deixado levar pensando em momentos passados e que já entregue, cansado e sem forças ouviu a voz do mar a lhe dizer que lutasse. Uma voz tão real que se assustou e do seu espanto saiu de seus pensamentos. E lá não havia mais ninguém a não ser ele, o mar e o passado. Sorri, abracei-o mais uma vez e em seu ouvido disse: Eu te resgatei em nosso barquinho à vela feito de nozes.. lembra?
Apertou-me forte em seus braços, deu-me a mão e seguimos nosso passeio com um silencio repleto de tudo.

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