13 julho 2007

“Estou socialmente estragado”





Raimundo Arruda Sobrinho, 68 anos vive há 11 anos no canteiro central da avenida Pedroso de Morais, em Pinheiros. Escreve livros artesanalmente, costurados com fiapos de sacos plásticos. Tosse e cospe. Em São Paulo os termômetros marcam 13º C.
Não gosta do verbo morar e não quer ser chamado “morador de rua” . Troca algumas palavras com o repórter Felipe Gil.

"Eu não sou morador de rua, sou vítima de um crime contra os direitos humanos!", diz, sobre sua condição. Quem cometeu o crime? "Responsabilizo o Estado, não sei quem é". O senhor denunciou? "Toda a máquina do Estado sabe". Quando o crime começou a ser cometido? "Não vou entrar nisso porque não tenho tempo e nem o senhor tem tempo. E nem capacidade".
Era vendedor de livro antes de ser internado em 1976 no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clinicas, onde passou dois meses. Ele não gosta de falar do passado costuma repetir “Faz muitos anos” embora tenha citado com carinho a casa onde viveu até abril de 1968. “Lá eu tinha papéis, escrivaninha, colchão de mola, lençóis, cobertor, travesseiro, sanitário".

Diz que os Albergues não têm espaço para guardar seus escritos e pertences, que ele sempre os mantêm escondidos debaixo de lonas. Está vestido com jeans, camisa suja, meias rasgadas nos calcanhares e se cobre com os restos de uma manta infantil. Diz calçar entre 39 e 41 mas não quer sapatos, nem manta nova. "Não posso ter muita coisa, ou eles vêm e rasgam, assaltam", explica. Quem? "Não sei, eu não sei de nada. Sei que aparece rasgado". Mas o senhor não está aqui o tempo todo? "Estou, mas eles hipnotizam!". O senhor já foi agredido? "Muitas vezes, já".

Escreve enquanto há luz natural. Apesar do cuidado com que produz, Arruda despreza os escritos. "Isso é para matar a curiosidade de quem vem aqui, porque não vale nada. Eu sei que não vale nada". Não pensa em publicá-los. "Quando eu procurei ninguém quis. Hoje não quero nem ouvir falar do assunto". Assina como "O Condicionado", um pseudônimo que usa "há muitos anos". Cada exemplar doado é numerado e datado. De 2000 a 2007, marca os anos como 1999+1 a 1999+8. Ele explica: "quando disseram que era o ano 2000, sabia que já tinha passado. Estou sabendo que é tudo falsidade. Quando dizem que é uma coisa, é outra".

O ex-livreiro, escritor e vitima do crime contra os direitos humanos, nasceu em Piacá, no norte de Goiás - hoje Goiatins, cidade de 11 mil habitantes no norte do Tocantins, se vê permanentemente mal-humorado, e sabe que isso afasta as pessoas.
Diz: "Estou socialmente estragado".


Noticia: Terra

Nenhum comentário: