A carta
Outra vez nao conseguiu reunir palavras que traduzissem tudo que sentia. Mais uma vez manteve fria e branca a folha de papel. Desta vez se impacientou, sentiu alguma ang�stia, talvez fosse dor. Levantou-se. Precisava de ar. Precisava pensar e reorganizar as id�ias. Precisava sentir o vento tocar-lhe o rosto, ouvir o barulho da arrebenta�ao das ondas nas rochas e olhar o infinito por sobre o mar. Ficou assim por um longo tempo ate ser despertada pelos gritos do carteiro, um antigo conhecido, que chamava pelo seu nome e acenava-lhe em frente a sua casa. Era uma casa ampla, arejada, com um alpendre convidativo, ficava no alto de uma pequena montanha e a vista era fant�stica. Naquela manha, mesmo j� tendo feito seu passeio di�rio na praia, sentia-se impaciente e outra vez sentiu vontade de descer e molhar seus p�s. Virou-se, acenou para ele e foi ao seu encontro.
L� estava uma carta. Nao tinha sequer visto de quem era muito menos de onde vinha. Mas alguma coisa a fez tremer. Alguma coisa poderia mudar depois que ela lesse a carta. Ela sentia isso. Talvez o mar a tivesse segredado ao ouvido. Entrou. Colocou a carta em cima da mesa de trabalho e nao ousou confirmar de quem era. Talvez tivesse algum receio ou talvez apenas precisasse tomar um ch� bem quente, pois o vento l� fora estava frio. Era um ch� de canela, seu preferido e como ainda faltavam algumas horas antes do almo�o resolveu tamb�m comer algumas torradas.
Pegou a carta, sentia-se mais tranq�ila, mais segura e aquecida. Era dele. Talvez ela at� j� soubesse disso, o mar lhe trouxe uma saudade distante. Nao se viam h� algum tempo e desde l� s� uma ou duas cartas havia chegado, mesmo assim, apenas com noticias breves, como, ali�s, tamb�m foram as suas respostas.
Sentia agora, diferente da �poca da despedida, que o tempo era necess�rio para compreender muitas coisas, inclusive a distancia entre eles. A carta havia sido escrita h� duas semanas atr�s e logo de in�cio ela associou a data a sua recente dificuldade em escrever. Desde l�, havia escrito muito pouco e seu editor come�ava a pressionar. Seu �ltimo romance resultou em um sucesso muito grande e os leitores aguardavam certamente o pr�ximo com mais ansiedade. Era assim que seu editor pensava.
Minha querida...
Eram estas as primeiras palavras. Ela parecia ouvir o tom da sua voz, o brilho dos seus olhos, talvez at� sentisse o toque das suas maos. Sentiu uma saudade tao grande que teve o impulso de parar de ler. Nao podia se deixar levar por tamanha emo�ao j� que vinha h� dias tentando buscar algum equil�brio e assim escrever com mais facilidade. Voltou a colocar a carta sobre a mesa. Acendeu um cigarro, fechou um pouco os olhos e nao resistiu em segurar nas maos a carta outra vez.
H� alguns dias tenho sonhado contigo, e nos sonhos sempre te vejo presa, sem conseguir se libertar por mais que se esforce. Ao final destes sonhos, a ultima coisa que vejo sao os teus olhos. Eles me pedem algo, me dizem alguma coisa que eu nao consigo compreender. Sinto-me impotente. Uma saudade enorme tomou conta de mim e sinto vontade de deixar tudo e seguir ao teu encontro.
_ Nao. Eu nao tenho que continuar a ler isto.
Pensou ela. Tinha l�grimas nos olhos e sentia seu cora�ao bater num ritmo diferente. Com um leve tremor nas maos deixou que a carta ca�sse no chao. Levantou-se e foi at� a sua mesa de trabalho, sentou em frente a mesma folha de papel em branco. E num impulso inexplic�vel se iam soltando todos os sentimentos presos e as palavras come�avam a brotar facilmente. Nascia ali seu novo livro e ela nao parou de escrever durante um razo�vel tempo at� que o livro estava quase no seu final.
Todas as manhas fazia o seu habitual passeio na praia, olhava o mar com a mesma misteriosa curiosidade e admira�ao. Tomava um ch� ou um caf� forte e se deixava entregar pela escrita, pelas emo�oes como se estivesse em transe.
Ana, uma mulher de seus 65 anos e pele muito clara, era sua companhia de todos os dias. Preparava-lhe as refei�oes, atendia os telefonemas, lhe ouvia atenta e com a sabedoria de quem j� viveu alguns anos a mais lhe dava alguns conselhos. Ultimamente estava se sentindo mais feliz vendo que o ritmo de trabalho naquela casa voltava ao normal.
_ A senhora nao quer um pouco de caf� forte? Acabei de fazer creme e sei que � assim o seu preferido. Entao, que me diz?
_ Quero sim Ana, obrigada. Preciso mesmo parar um pouco. H� algo que precisa ser feito e h� um tempo deixei pela metade, farei agora. Espero pelo caf� na varanda est� bem?
Havia guardado a carta sem terminar de ler dentro de uma caixinha que permanecia sempre na mesa ao lado da sua cama. Pegou a carta e seguiu para a varanda. Olhou o mar, sentiu o vento e abriu a carta outra vez.
Mas eu sei que nao pode ser assim. Sei, sobretudo, que me pediste para que eu me mantivesse distante, que precisavas pensar, precisavas compreender os meus, os teus e os nossos sentimentos. Respeito. E tenho mesmo que respeitar afinal fui eu que decidi ir embora.
N�s dois, temos, sempre tivemos, uma rela�ao muito forte e muitas vezes conseguimos sentir alegrias e dores um do outro. Senti estes dias uma angustia que me apertava o peito, sentia que alguma coisa estava a te acontecer e te via paralisada. Sentia-te presa.
Nao sei por que, mas eu nao conseguia terminar esta carta, algo me impedia.
Ontem, outra vez, sonhei contigo. Podia tocar as tuas maos, sentia outra vez o perfume dos teus cabelos, a maciez da tua pele, o gosto da tua boca e tinhas olhos brilhantes que olhavam serenamente nos meus. Acomodei-te em meus bra�os, sentia-me em paz e entao falei ao teu ouvido aquilo que irei repetir ao longo de toda a minha vida: Amo-te! Eternamente. Amo-te com toda a for�a que o meu cora�ao � capaz de suportar.
Depois de ontem nao tive duvida tudo parecia claro pra mim e nao eras tu que estavas presa. Era a mim que via como se fosses tu. E percebi que mantinha minhas emo�oes presas em mim. Prendi a mim pr�prio tentando ocultar de mim a importancia que tens na minha vida, achava que estava me protegendo. Estava enganado. Sei que me mostraste isso em nossos sonhos. Nossos encontros. Obrigado.
Ate breve, muito breve!
Quando lhe trouxe o caf� com creme e alguma torradas, a Ana pode perceber l�grimas em seus olhos, mas nao havia em seu rosto nenhum sinal de tristeza. Talvez fosse apenas saudade. Talvez uma not�cia esperada.
Tomou a x�cara nas maos, tomou o delicioso caf� com creme que a Ana sempre lhe fazia com esmero, comeu torradas e ainda trocaram algumas palavras sobre o tempo e sobre providencias de rotina a serem tomadas na casa.
Depois do caf� ela ainda permaneceu na varanda por um longo tempo olhando para o mar. A carta em suas maos. Em seu rosto, al�m de felicidade, havia uma forte expressao de surpresa. Parecia tentar compreender algo.
Entao leu suas ultimas palavras escritas:
Ele insistia em perguntar se ela o amava. Ele sabia que sim. Amavam-se profundamente e como todo sentimento profundo e forte, dif�cil de ser compreendido. Sentia-se confuso e inseguro, por isso partiu. Ela sabia que apesar de amarem-se precisavam compreender algumas coisas. Precisavam estar distantes, ainda precisavam continuar distantes.
A ela pareceu nao haver mais nada a ser dito. Talvez apenas um ponto final. Mas, de repente acrescentou:
Quando ela terminou de ler a carta que havia chegado, sentiu uma enorme vontade de tamb�m correr ao encontro dele. Ela o amava tanto. Podia naquele momento ouvir a voz dele. Apesar da saudade estava feliz como se ele estivesse ao seu lado. Tinha um sorriso nos l�bios.
Vestiu um casaco, l� fora o vento estava ainda mais forte e as ondas batiam nas rochas fazendo um grande barulho. Ela sentiu vontade de correr. Seus cabelos voavam com o vento e o perfume deles ficava no ar. Diminuiu os passos e percebeu que havia algu�m mais adiante, o que nao era comum naquela hora mas, devia ser algu�m conhecido, sentiu-se tranq�ila e continuou e viu que acenava-lhe. Seu cora�ao parecia acelerar de repente e ela sem compreender o porque repetia sem parar:
_ At� breve, muito breve!... At� breve, muito breve!...
At� se sentir completamente entregue emseus bra�os e seus l�bios silenciados nos dele.
Outra vez nao conseguiu reunir palavras que traduzissem tudo que sentia. Mais uma vez manteve fria e branca a folha de papel. Desta vez se impacientou, sentiu alguma ang�stia, talvez fosse dor. Levantou-se. Precisava de ar. Precisava pensar e reorganizar as id�ias. Precisava sentir o vento tocar-lhe o rosto, ouvir o barulho da arrebenta�ao das ondas nas rochas e olhar o infinito por sobre o mar. Ficou assim por um longo tempo ate ser despertada pelos gritos do carteiro, um antigo conhecido, que chamava pelo seu nome e acenava-lhe em frente a sua casa. Era uma casa ampla, arejada, com um alpendre convidativo, ficava no alto de uma pequena montanha e a vista era fant�stica. Naquela manha, mesmo j� tendo feito seu passeio di�rio na praia, sentia-se impaciente e outra vez sentiu vontade de descer e molhar seus p�s. Virou-se, acenou para ele e foi ao seu encontro.
L� estava uma carta. Nao tinha sequer visto de quem era muito menos de onde vinha. Mas alguma coisa a fez tremer. Alguma coisa poderia mudar depois que ela lesse a carta. Ela sentia isso. Talvez o mar a tivesse segredado ao ouvido. Entrou. Colocou a carta em cima da mesa de trabalho e nao ousou confirmar de quem era. Talvez tivesse algum receio ou talvez apenas precisasse tomar um ch� bem quente, pois o vento l� fora estava frio. Era um ch� de canela, seu preferido e como ainda faltavam algumas horas antes do almo�o resolveu tamb�m comer algumas torradas.
Pegou a carta, sentia-se mais tranq�ila, mais segura e aquecida. Era dele. Talvez ela at� j� soubesse disso, o mar lhe trouxe uma saudade distante. Nao se viam h� algum tempo e desde l� s� uma ou duas cartas havia chegado, mesmo assim, apenas com noticias breves, como, ali�s, tamb�m foram as suas respostas.
Sentia agora, diferente da �poca da despedida, que o tempo era necess�rio para compreender muitas coisas, inclusive a distancia entre eles. A carta havia sido escrita h� duas semanas atr�s e logo de in�cio ela associou a data a sua recente dificuldade em escrever. Desde l�, havia escrito muito pouco e seu editor come�ava a pressionar. Seu �ltimo romance resultou em um sucesso muito grande e os leitores aguardavam certamente o pr�ximo com mais ansiedade. Era assim que seu editor pensava.
Minha querida...
Eram estas as primeiras palavras. Ela parecia ouvir o tom da sua voz, o brilho dos seus olhos, talvez at� sentisse o toque das suas maos. Sentiu uma saudade tao grande que teve o impulso de parar de ler. Nao podia se deixar levar por tamanha emo�ao j� que vinha h� dias tentando buscar algum equil�brio e assim escrever com mais facilidade. Voltou a colocar a carta sobre a mesa. Acendeu um cigarro, fechou um pouco os olhos e nao resistiu em segurar nas maos a carta outra vez.
H� alguns dias tenho sonhado contigo, e nos sonhos sempre te vejo presa, sem conseguir se libertar por mais que se esforce. Ao final destes sonhos, a ultima coisa que vejo sao os teus olhos. Eles me pedem algo, me dizem alguma coisa que eu nao consigo compreender. Sinto-me impotente. Uma saudade enorme tomou conta de mim e sinto vontade de deixar tudo e seguir ao teu encontro.
_ Nao. Eu nao tenho que continuar a ler isto.
Pensou ela. Tinha l�grimas nos olhos e sentia seu cora�ao bater num ritmo diferente. Com um leve tremor nas maos deixou que a carta ca�sse no chao. Levantou-se e foi at� a sua mesa de trabalho, sentou em frente a mesma folha de papel em branco. E num impulso inexplic�vel se iam soltando todos os sentimentos presos e as palavras come�avam a brotar facilmente. Nascia ali seu novo livro e ela nao parou de escrever durante um razo�vel tempo at� que o livro estava quase no seu final.
Todas as manhas fazia o seu habitual passeio na praia, olhava o mar com a mesma misteriosa curiosidade e admira�ao. Tomava um ch� ou um caf� forte e se deixava entregar pela escrita, pelas emo�oes como se estivesse em transe.
Ana, uma mulher de seus 65 anos e pele muito clara, era sua companhia de todos os dias. Preparava-lhe as refei�oes, atendia os telefonemas, lhe ouvia atenta e com a sabedoria de quem j� viveu alguns anos a mais lhe dava alguns conselhos. Ultimamente estava se sentindo mais feliz vendo que o ritmo de trabalho naquela casa voltava ao normal.
_ A senhora nao quer um pouco de caf� forte? Acabei de fazer creme e sei que � assim o seu preferido. Entao, que me diz?
_ Quero sim Ana, obrigada. Preciso mesmo parar um pouco. H� algo que precisa ser feito e h� um tempo deixei pela metade, farei agora. Espero pelo caf� na varanda est� bem?
Havia guardado a carta sem terminar de ler dentro de uma caixinha que permanecia sempre na mesa ao lado da sua cama. Pegou a carta e seguiu para a varanda. Olhou o mar, sentiu o vento e abriu a carta outra vez.
Mas eu sei que nao pode ser assim. Sei, sobretudo, que me pediste para que eu me mantivesse distante, que precisavas pensar, precisavas compreender os meus, os teus e os nossos sentimentos. Respeito. E tenho mesmo que respeitar afinal fui eu que decidi ir embora.
N�s dois, temos, sempre tivemos, uma rela�ao muito forte e muitas vezes conseguimos sentir alegrias e dores um do outro. Senti estes dias uma angustia que me apertava o peito, sentia que alguma coisa estava a te acontecer e te via paralisada. Sentia-te presa.
Nao sei por que, mas eu nao conseguia terminar esta carta, algo me impedia.
Ontem, outra vez, sonhei contigo. Podia tocar as tuas maos, sentia outra vez o perfume dos teus cabelos, a maciez da tua pele, o gosto da tua boca e tinhas olhos brilhantes que olhavam serenamente nos meus. Acomodei-te em meus bra�os, sentia-me em paz e entao falei ao teu ouvido aquilo que irei repetir ao longo de toda a minha vida: Amo-te! Eternamente. Amo-te com toda a for�a que o meu cora�ao � capaz de suportar.
Depois de ontem nao tive duvida tudo parecia claro pra mim e nao eras tu que estavas presa. Era a mim que via como se fosses tu. E percebi que mantinha minhas emo�oes presas em mim. Prendi a mim pr�prio tentando ocultar de mim a importancia que tens na minha vida, achava que estava me protegendo. Estava enganado. Sei que me mostraste isso em nossos sonhos. Nossos encontros. Obrigado.
Ate breve, muito breve!
Quando lhe trouxe o caf� com creme e alguma torradas, a Ana pode perceber l�grimas em seus olhos, mas nao havia em seu rosto nenhum sinal de tristeza. Talvez fosse apenas saudade. Talvez uma not�cia esperada.
Tomou a x�cara nas maos, tomou o delicioso caf� com creme que a Ana sempre lhe fazia com esmero, comeu torradas e ainda trocaram algumas palavras sobre o tempo e sobre providencias de rotina a serem tomadas na casa.
Depois do caf� ela ainda permaneceu na varanda por um longo tempo olhando para o mar. A carta em suas maos. Em seu rosto, al�m de felicidade, havia uma forte expressao de surpresa. Parecia tentar compreender algo.
Entao leu suas ultimas palavras escritas:
Ele insistia em perguntar se ela o amava. Ele sabia que sim. Amavam-se profundamente e como todo sentimento profundo e forte, dif�cil de ser compreendido. Sentia-se confuso e inseguro, por isso partiu. Ela sabia que apesar de amarem-se precisavam compreender algumas coisas. Precisavam estar distantes, ainda precisavam continuar distantes.
A ela pareceu nao haver mais nada a ser dito. Talvez apenas um ponto final. Mas, de repente acrescentou:
Quando ela terminou de ler a carta que havia chegado, sentiu uma enorme vontade de tamb�m correr ao encontro dele. Ela o amava tanto. Podia naquele momento ouvir a voz dele. Apesar da saudade estava feliz como se ele estivesse ao seu lado. Tinha um sorriso nos l�bios.
Vestiu um casaco, l� fora o vento estava ainda mais forte e as ondas batiam nas rochas fazendo um grande barulho. Ela sentiu vontade de correr. Seus cabelos voavam com o vento e o perfume deles ficava no ar. Diminuiu os passos e percebeu que havia algu�m mais adiante, o que nao era comum naquela hora mas, devia ser algu�m conhecido, sentiu-se tranq�ila e continuou e viu que acenava-lhe. Seu cora�ao parecia acelerar de repente e ela sem compreender o porque repetia sem parar:
_ At� breve, muito breve!... At� breve, muito breve!...
At� se sentir completamente entregue emseus bra�os e seus l�bios silenciados nos dele.
2 comentários:
Adorei esta carta! De tudo o que voc? postou e eu li, este foi o seu melhor post, sem sombra de d�vidas! Vou deixar um ps na minha pr�xima atualiza�?o, para que meus poucos visitantes tamb�m possam compartilhar esta leitura.
Vim pela m?o do gabriel.
Em boa hora.
Excelente, esta sua "carta"
Postar um comentário