24 agosto 2006

Contar histórias




Não nos víamos com freqüência, mas quando isso acontecia ficávamos horas conversando. Na verdade eu o ouvia. Eram longas e mágicas histórias. Lembro que já choramos e rimos os dois. Nunca soube ao certo se aquelas eram histórias reais, suas histórias, nem nunca quis perguntar. A dúvida fazia permanecer entre nós a magia e o brilho do seu olhar seria sempre o mais intenso.
Ontem ele me pareceu diferente. Era final da tarde e havia um vento mais forte que o comum. Ele me pareceu distante. Quis falar-lhe, mas ele tocou meus lábios suavemente e mostrou-me as folhas que corriam pelo chão e voavam.

_ Sim. Foi o vento que a trouxe para mim... o vento!

Ele me repetia isso com uma voz suave e misteriosa. Era uma das minhas histórias preferidas. Dele também. Repetia-me seguidas vezes que o vento trouxera para ele o único amor que um dia conhecera. Assim, misteriosamente pelo vento. Viveram juntos o tempo mais feliz de suas vidas. Sempre via em seus olhos apesar da beleza daquela história certa tristeza no olhar. Mas ele me fazia sentir uma emoção tão fantástica que só isso me bastava. Um dia, contou-me que o mesmo vento que a trouxera a tinha levado embora. Também misteriosamente.
Sempre achei que era uma forma poética de falar em chegadas e de partidas. E eu o compreendia.

Enquanto o vento ainda fazia voar as folhas espalhadas no chão. Pegou-me pelo braço e me levou até seu quarto. Lá, abriu a gaveta de um armário antigo e muito bem cuidado, e mostrou-me um lenço, amarelado pelo tempo, que envolvia uma pedra, como um cristal.
_ É dela.
Disse-me.
_Ficou comigo por todo esse tempo.
Deixou que eu tocasse. Senti uma emoção que não consigo explicar. Continuou.
_Um dia essa pedra ficará guardada contigo. Saberás o dia. Mas não esqueça, ela é a prova da minha magia. Continue a contá-la.
Disse que sim com um gesto na cabeça e beijei seu rosto. Voltamos ao jardim e ele naquele dia permaneceu em silencio a olhar e sentir o vento. Despedimo-nos e parti.

Faz muito tempo que não o vejo. Estive fora em uma viagem mais longa que as de costume e como me sentia cansada, fiquei uns dias sem o procurar.
Ele me fazia falta. Era noite, estava frio, e lá fora, vento e chuva. Adormeci lendo um livro e ao amanhecer, fui visitá-lo. Precisava vê-lo.
Levei mais tempo que o normal para chegar, a chuva e o vento dificultava a minha visão e o carro, instável me fazia sentir medo. Uma dor apertava meu peito. Devia ser da chuva, da insegurança. Segui.
Parei meu carro logo na entrada e o vento parecia me impedir de sair e entrar na casa. Corri e logo estava na varanda. Gritei seu nome. Outra vez. E outra e outra. Procurei em todos os cômodos da casa e não o encontrei. Corri até seu quarto, me sentia aflita, também não o encontrei lá. Na cama, a pedra. Brilhava intensamente. Peguei-a nas mãos e sai até o jardim.
No chão estava sua capa, mais adiante o lenço amarelado pelo tempo.
Deixei que a chuva me molhasse por um longo tempo. Deixei que o vento me confirmasse que ele havia partido. Que ela enfim tinha voltado e que juntos tinham seguido.
Chorei. E não sei se me sentia alegre, triste ou se tinha saudades.

Quando terminei, emocionada de contar a história, essa em especial me deixava totalmente envolvida, uma senhora, cabelos brancos e sorriso nos lábios que estava sentada atrás e que até aquele momento eu não a tinha visto, se levantou e disse:

_ É uma bela história de amor. Obrigada por tê-la contado! Continue... sempre!
_ Não agradeça. Essa é minha mágica missão. Disse-lhe.

Brilhavam seus olhos, os meus e os de toda a gente.

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